terça-feira, 28 de agosto de 2012

O dia em que resolvemos nos dar valor


Comecei a tocar violão aos onze anos de idade, mas resolvi estudar de verdade quando ganhei uma guitarra do meu pai, aos dezesseis. Nessa mesma fase, já comecei a tocar com bandas em eventos, shows e tudo o que aparecesse para poder divulgar meu trabalho. E conforme o tempo vai passando, você descobre que a música pode ser sua escolha profissional.

No meu caso, me senti obrigado a dividir a música com a área de comunicação. Afinal, não era muito simples dizer que queria viver de música numa família onde não haviam músicos e ninguém compreendia o músico como um profissional de verdade.
Frustrante por um lado, animador por outro.
Frustrante pelo fato de você não conseguir viver exclusivamente da sua paixão. Animador, porque quando a música não funciona, tem um plano B para se segurar (mesmo quando muitas vezes esse plano B se torna o plano A!).

Fato é, que hoje tenho uma carreira musical que segue em paralelo com minha carreira em comunicação. E embora não seja minha única fonte de renda, ela tem muito valor para mim. E justamente por ter valor, resolvi valorizar o músico que sou e o trabalho que tenho.
Procurei tirar uma temporada de recesso para pensar – e repensar – o quanto me (des)valorizei nos últimos anos. Pensar no que quero da minha carreira e no quanto posso viver meu sonho sem que ele se torne um pesadelo.
Fiz uma descoberta um tanto quanto assustadora sobre mim e quero compartilhar isso:
– Fiz do meu trabalho musical pior do que uma prostituta faz com o seu corpo.

Assusta um pouco esse tipo de afirmação, mas é explicável.
A prostituta pelo menos cobra pelo seu serviço, e por muitas vezes eu entreguei meu trabalho de graça acreditando que fossem me valorizar.

O problema do músico é a sede que ele tem de ser valorizado e descoberto por alguém que vai mudar sua vida. É quase como um com conto-de-fadas, onde um dia um "empresário fada-madrinha" aparecerá e fará acontecer o rumo de uma tão sonhada carreira.
Desconheço um músico que não sonha em um dia ser contratado ou descoberto por alguém. Acredito até, que boa parte dos que se oferecem para tocar em alguns lugares, tomam esse tipo de atitude sonhando em serem vistos e aparecerem nos holofotes da mídia.

Já toquei em muitos lugares onde fui sonhando demais, fui legal demais e consequentemente, me ferrei demais.
Minha carreira musical sempre foi dividida entre trabalhos comuns (ou seculares) e trabalhos no meio gospel. E nesse segundo meio, a coisa chega a ser um pouco mais assustadora.
A grande maioria dos eventos gospel, sejam igrejas, acampamentos, shows, feiras e outros, trata as bandas como "ministérios chamados por Deus para tocar". E se as bandas são "ministérios chamados por Deus para tocar" – ainda mais se não forem tão populares –, esses infelizes tem que tocar "pela fé" (em outras palavras: gratuitamente). Pois o importante é você fazer crescer seu "ministério", mas fato é que alguém está lucrando por trás do "crescimento do seu ministério". E o mais dolorido é saber que o mesmo cara que te chamou "pela fé", também depositou uma bela grana na conta de um artista famoso (que normalmente tem uma música de qualidade duvidosa) para que ele tocasse no mesmo lugar onde você está "tocando de grátis"!

Também é fato que existem aqueles que valorizam as bandas que se dispõem para tocar quase de graça. Em todo meu tempo como músico, já encontrei pessoas que nos deram mais do que merecíamos, e outros, que tiraram do "nada" que tinham apenas para nos honrar. Aprendi que na grande maioria das vezes, são os pobres quem honram mais que os ricos. Essas pessoas normalmente surgem em lugares que vão desde Encontros de Motoclubes e ONGs, até igrejas de periferia e cidades pequenas.
Confesso que foram situações que me levaram às lágrimas por saber que ainda que sejam poucos, existem pessoas que sabem dar valor, mesmo quando eles mal têm para si.
Tenho até vontade de citar os nomes dessas pessoas, mas por medo de esquecer de alguns, prefiro não falar.

Também já toquei em eventos onde o organizador desapareceu no final nos deixando com a conta do hotel, sem mesmo ter um táxi que nos levasse para o aeroporto (e por sorte, tínhamos pelo menos a passagem da volta). Em outra situação, encontrei um organizador escondido dentro de uma igreja, deitado, fugindo de mim para não me pagar nem o valor do transporte.
E se eu for citar todas as situações negativas que já passei, chega a ser triste, mas elas superam as positivas.

E nesse recesso em que estou me dando uma pausa para pensar, cheguei a conclusão que nunca desisti da música porque não consigo viver sem fazer isso. Pois a sede e a vontade de tocar é tão grande, que até mesmo das experiências ruins acabei tirando proveito.
Só que o tempo passa e um dia você não tem mais vinte e poucos anos. Um dia, você passa dos trinta e vira pai, tem família, tem obrigações e descobre que precisa se valorizar.
Se você contabilizar o quanto um músico gasta para manter sua rotina de ensaiar, viajar e tocar, vai entender o motivo de alguns cachês.
Vamos deixar algumas coisas definidas, existe muita gente cobrando cachês abusivos, desnecessários e que apenas são aproveitadores de um sucesso momentâneo.

Faça as contas:
Ensaio + cordas de guitarra/violão + manutenção de equipamentos + combustível e manutenção do carro + aluguel de van + valor pago de músicos contratados para a banda + prensagem de CD + divulgação publicitária + alimentação da banda...
...e essa conta pode aumentar muito.

A questão que fica é a seguinte:
Será que vale todo tipo de esforço e perda financeira apenas para conseguir um espaço para tocar e divulgar seu trabalho?

Não. Não vale.
Precisamos aprender a nos dar valor e principalmente, não ter medo de nos valorizar.
Não precisamos ter medo de ter poucas agendas, de termos poucos contatos e poucos lugares para tocar. Vale muito mais tocar em poucos lugares sendo valorizado, do que ter uma agenda cheia no mês onde seu déficit financeiro supera seu lucro (ou muitas vezes, você não consegue ficar nem no "zero a zero").
Conheço muita gente que faz papel de ridículo para tentar ser famoso. Imploram para tocar, fazem amizades por interesse, aceitam endorse de marcas que nunca comprariam, postam fotos mentirosas de momentos fictícios que nunca existiram...  ...fazem qualquer coisa, corrompem seu caráter e acabam com o seu valor.

Existe um ditado de "vó" que é muito verdadeiro: "Quem se oferece não tem valor".
E isso é verdade.

A valorização tem que partir de nós, músicos. Embora a venda de CDs seja uma ficção hoje em dia, voltamos a viver o momento onde nossos shows são mais importantes do que a venda dos CDs. Divulgar sua música pela internet é a coisa mais fácil do mundo.
Mas lembre-se, por mais que o download do seu CD seja gratuito, o seu show tem preço e você como músico tem um valor muito maior do que algumas cifras ou um refrigerante gratuito no final da apresentação.