terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Quando a profissão músico vira um jogo


O primeiro instrumento que ganhei na vida, foi uma bateria. Na época, eu tinha uns 5 anos de idade, e claro, não segui por esse caminho. Aos 8 anos, me interessei por teclado e comecei a estudar, mas ainda não era o que eu queria. Finalmente, com 11 anos, comecei a tocar violão mas levei o estudo a sério aos 16 anos, quando ganhei uma guitarra.

Um ano depois de ganhar a guitarra, comecei a construir uma carreira musical. Mas para explicar melhor o que quero dizer, carreira não é sinônimo de sucesso, apenas de que comecei a criar uma história como músico. Profissionalmente, acabei dividindo a música com o jornalismo, e fiz com que ela se tornasse algo rentável em minha vida um pouco tarde. Ainda assim, a música se tornou uma das minhas profissões.

Desde o ano 2000 vivo música constantemente. Tenho quatro CDs autorais gravados, já gravei para uma infinidade de pessoas que até perdi a conta. Fui sideman de diversos músicos, acumulei muitas horas de estúdio. Arranjei e compus músicas pra mim e para outros. Produzi e pré-produzi CDs. Ministrei workshops de guitarra, violão e música celta. Toquei em lugares bons, menos do que em lugares ruins. Saí mais feliz do que triste dos lugares por onde toquei. Já toquei para milhares de pessoas e para unidades que pude contar nos dedos de uma mão. Já fui entrevistado algumas vezes por revistas de guitarra, música, programas de TV e rádio. E a maior parte dos estados e cidades desse país que eu conheço foi por causa da música. Mas... ...tem uma coisa que passou a me assustar nos últimos anos.

Alguns músicos mais antigos, com certeza vão se identifcar com isso.
Lembro que na primeira metade da década de 90, quando falávamos em ser um músico de sucesso e olhávamos nossos ídolos com devoção, não passava na cabeça de ninguém a ideia de ser patrocinado por uma marca de instrumentos musicais. Revista de música era sinônimo de revistinhas de cifras que comprávamos para nos ajudar a tirar as músicas que queríamos tocar (solos e riffs, só na base do ouvido mesmo, porque nem tablatura era fácil de achar. Partitura então... quase impossível).
Na segunda metade dos anos 90 surgiram as revistas especializadas em nosso país. Isso foi uma evolução impressionante na música, afinal de contas, podíamos ter as informações do que acontecia no mundo afora com mais facilidade. Mas ainda assim, tudo era muito "romantizado", embora capitalizado, mas não tão voraz quanto nos dias atuais.
Com a popularização da internet, principalmente nos últimos anos, o acesso a informação ficou gigantesco. Tanto é que, atualmente, existem revistas online sobre instrumentos musicais. A facilidade de assistir vídeos no YouTube e não apenas ver partituras e tablaturas, mas ver como se faz um solo ou se toca uma música, chega a ser assustadora.

Pode ser apenas uma opinião e pensamento de alguém que está envelhecendo, mas realmente acho que o meio musical ficou sem graça. Também não posso ser injusto, pois existem excelentes músicos tocando e outros que são compositores muito bons. Mesmo assim, são parte de uma minoria.
O que ficou chato, é que tudo virou um jogo, uma disputa de quem é o melhor, quem tem mais patrocínio, quem se propaga mais, quem toca com mais bandas etc.
Lembro dos dias onde tocávamos por prazer, onde ser um bom músico não era sinônimo de ter um vídeo com milhares de visualizações. Lembro dos dias onde as empresas buscavam um músico para dar patrocínio e não onde os músicos se matavam para tentar ter endorse de uma marca (obs: com raras exceções, algumas empresas ainda contam com "olheiros" e buscam músicos de qualidade para patrocinar).
Algumas marcas de instrumentos musicais têm entre seus patrocinados gente que não apenas possuem uma qualidade duvidosa (e outros que nem mesmo têm uma carreira de verdade), mas também "prostitutas" musicais, que não conseguem nem mesmo ter um ano de fidelidade com a marca que estão representando. Muitos são os "amigos do amigo do dono", que se fosse para fazer uma peneira radical não teriam mérito nenhum para estar ali.
E o que considero mais triste, músicos sensacionais que fazem parte da história desse país, muitas vezes utilizando instrumentos e equipamentos de marcas conhecidas como verdadeiras "nabas", apenas para manterem-se patrocinados e poderem "sobreviver" nesse meio carnívoro que a profissão músico se transformou.

Confesso de peito aberto que também já fiz sacrifícios para tentar ser patrocinado. Já gastei tempo fazendo contatos e visitando empresas. Corri atrás de gravadoras que se interessassem pelo meu trabalho e tentei a todo custo ter visibilidade.
Com raras exceções das raras parcerias e amizades que formei com pouquíssimas empresas e gravadoras, posso dizer que na maior parte do tempo, só corri atrás do vento. Vaidade, nada além de vaidade.

A profissão músico virou um jogo. Mas um jogo desonesto, onde não é a qualidade e nem os anos de estudo que são honrados. Mas o famoso "QI", ou o "marketing bem feito" (mesmo que mentiroso, basta ser bem feito).
Talvez minha frustração venha do fato de eu não saber jogar esse jogo, e de quando tentei jogar, ter perdido. Mas definitivamente posso dizer uma coisa: estou fora!

Não estou fora da música e nem de tocar ou gravar. Estou fora da disputa.
Não vou mais perder o meu tempo tentando buscar visibilidade ou procurando provar do que sou capaz. Parafraseando uma música que gosto muito, posso dizer:

"Quantas chances desperdicei,
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém."

(Quase sem querer - Legião Urbana)

Nesses últimos anos, por tentar jogar esse jogo desonesto, desperdicei muita coisa.
Desperdicei meu prazer de tocar simplesmente pelo fato de eu amar ser músico. Desperdicei conversas com amigos que fossem apenas pelo prazer de conversar, e não para tentar chegar em algum lugar na minha carreira. Perdi noites e finais de semana com minhas filhas, onde cheguei a tocar de graça com a falsa promessa de que aquilo me colocaria em exposição. Perdi a chance de conhecer pessoas que estavam escondidas por trás dos músicos que eram, pois deixei me levar pelo objetivo "comercial musical", não pela construção de uma amizade.
Também ganhei muitas coisas, onde a principal foi a experiência, mas perdi valores que eu não poderia ter abandonado.

Na realidade deveríamos pensar da seguinte maneira: Se um dia nosso trabalho tiver que ser propagado e reconhecido, que seja por meios normais e naturais, não "pela força do braço".
E mais do que um conselho para outros músicos, esse é um conselho para mim mesmo.
Isso me faz lembrar da frase de um amigo, que acho muito interessante: "Não se propague, um dia Deus te acha".

É claro que como músicos devemos estar atentos às oportunidades, procurar mostrar disposição, serviço e deixar claro que queremos trabalhar. Não é sobre isso que falo.
Falo dessa disputa acirrada que a profissão criou. Esse desespero para ter o patrocínio de uma marca, essa ganância para ter milhares de visualizações em um vídeo, essa falta de fidelidade com marcas que resolvem dar patrocínio (e muitas vezes o cara mete o pé porque descobriu que existe uma melhor). Essa necessidade descontrolável por tocar em qualquer lugar que aparece (mesmo que você tenha abrir mão de coisas importantes).
Tenho a sensação de que entre os músicos e bandas que jogam esse jogo, existe uma falsa amizade. Como se todos pensassem "serei amigo até onde der, mas meu trabalho precisa ser melhor que o dele".


Decepcionado.
Acho que essa palavra resume meu sentimento atual. Mas por outro lado... feliz.
Feliz por saber que consegui abrir meus olhos e querer fazer diferença. Sei que não vou mudar a mentalidade de ninguém, aliás, até acho que a tendência é piorar. Pelo menos, posso fazer de uma das coisas mais prazerosas que sinto na vida, ser uma das coisas mais prazerosas que sinto na vida! (Não uma fonte de desgaste e stress).

Toque por que você ama fazer isso.
Se é sua profissão, faça porque escolheu esse trabalho. Não se mate tentando jogar um jogo onde por mais que você ganhe no presente, pode ser derrotado no futuro (e isso não é porque você é incapaz, mas porque nesse meio ninguém é insubstituível).
Toque com quem gosta de tocar com você, não com pessoas que te "devem uma camaradagem" (mesmo que um dia você descubra ser o único que gosta de tocar com você!).

A profissão, o meio musical e o mercado não vão mudar. Mas se você conseguir mudar a maneira como tem feito as coisas, já será um grande avanço.