sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A “demonização” que desinforma

Caros.
Faz alguns anos que escrevi esse texto para o site de artes do meu amigo Gustavo Serafim. Mas achei pertinente colocá-lo aqui no blog.

Deleitem-se!

Um amigo meu, vendedor de uma loja de CDs de rock e, consequentemente, vocalista de uma banda de heavy metal, um dia compartilhou algumas das “pérolas” que ouve de clientes. Um sujeito entrou na loja, pegou um CD do Ozzy Osbourne e disse: “Esse moço fez pacto com o diabo e bebeu sangue de um caixão para ser roqueiro!”.
Tudo bem, é claro que o Ozzy foi o grande responsável por algumas das maiores atrocidades (e boa parte delas foram mais um tremendo besteirol somado a uma vida desregrada, do que necessariamente algo satânico), mas a frase do sujeito mostra o tamanho da desinformação que se tem sobre algumas coisas. Claro, com uma pitada de “lenda urbana”.
Pegando esse gancho, como a preocupação nesse texto é sobre o cristão artista, vejo que a desinformação no ambiente da igreja, não é diferente do que o exemplo acima.
Encarar o rock como música do diabo, já virou uma conversinha tonta, que somente os mais desinformados caem. Mas de qualquer maneira, sempre vale uma explicação a mais.

Vamos lá. O rock tem origem no blues, que tem origem nas igrejas negras em meados de 1920, nos EUA. Os negros que colhiam algodão, passavam o dia cantando lamentações/tristezas (origem da palavra blues) enquanto tinham o penoso trabalho de colher algodão. Entre as músicas que cantavam (e compunham na hora), muitas eram louvores a Deus pedindo uma vida melhor, ou lembrando que no céu, tal sofrimento não mais existiria.
O rock iniciou como o “blues acelerado”, também dentro dessas igrejas negras. O mesmo ambiente foi o berço do jazz e do soul.
Quando o rock começou a se popularizar, aquele “ritmo dançante” recebeu o nome pelo qual o conhecemos de um DJ americano, em 1953, no sentindo de que essa música fazia balançar e “mexer os quadris”.
A polêmica sobre o diabo ser o pai do rock, começa também nos anos 50, quando a conservadora (e racista) sociedade americana da época, abolia tal música vinda dos negros, e dizia que tirava os bons costumes dos seus filhos. Até surgir um rapaz branco de olhos azuis, chamado Elvis Presley, para enfiar esse racismo goela abaixo. Mas isso é outra história.
No início dos anos 70, o rock tornou-se mais pesado, e uma banda inglesa formada por quatro jovens, aproveitou a revolta típica dos hormônios da juventude e juntou com uma boa estratégia de marketing, escrevendo letras calcadas em bruxarias e pactos com o “Tinhoso”, dando origem ao Black Sabbath. Ali, nasceu a cara mais maldosa do rock.
Portanto, Raul Seixas e Paulo Coelho não são os responsáveis pela frase “o diabo é o pai do rock”. eles pegaram isso emprestado do que acontecia no exterior.
Claro que muitas bandas realmente se jogaram para o lado satânico da coisa, mas aqui, estou falando sobre a origem do estilo e não sobre o gênero “black metal”.

Também já ouvi dizer que os instrumentos musicais tem origem diabólica porque foram criados por Jubal, que era descendente de Caim. Contestável.
Vamos analisar. Jubal era descendente de Caim e a Bíblia comprova isso. Mas afirmar que por ele ter essa descendência ele teve influência diabólica para criar os instrumentos musicais, não tem a menor base bíblica. Isso nada mais é do que uma interpretação pessoal carregada de “achismos”.
Mas vamos pensar no seguinte. Será que a criação das armas tem inspiração diabólica? Independentes de sabermos, vamos dizer que tem.
Então, o que diremos da funda que Davi usou para matar o gigante? Ela era diabólica?
Voltando aos instrumentos musicais, e a harpa que Davi tocava e acalmava o furor do rei Saul? Tinha um espírito maligno nela?

Vamos esclarecer algo aqui: A igreja está se tornando tão menos bíblica e tão religiosa, que ela demoniza tudo aquilo que ela não sabe explicar.
Tem um ator de cinema, ultra conhecido que vive bêbado agredindo fotógrafos e tratando entrevistadores com o maior desrespeito do mundo. Só que esse mesmo ator dirigiu e produziu um filme adorado por pelo menos 90% dos cristãos: A Paixão de Cristo, o ator/diretor é Mel Gibson.
A igreja é ignorante no que diz respeito a coisas que ela não tem a capacidade de explicar. E quando surge essa ignorância, ela apela e demoniza as coisas.
No Brasil, a história de que rock é do diabo ganhou força em 1983, quando o Kiss veio tocar aqui pela primeira vez. A mídia da época saiu propagando que os caras matavam pintinhos no palco (o que sempre foi uma mentira) e faziam sacrifícios ali (tudo por causa da pirotecnia usada nos shows).
No show do Kiss no Rio de Janeiro, um grupo de crentes resolveu impedir a entrada do público alegando que ali teria um ritual satânico. Tudo porque a mídia, escandalosamente, divulgou um monte de besteiras sobre o grupo.
Até entendo o papel desse grupo de crentes de quererem “proteger” as pessoas que iriam assistir o show. Mas o tumulto todo foi causado pela propagação errada de uma notícia e pela falta de informação.
Não estou servindo como advogado da banda, não é esse o objetivo. Simplesmente quero escancarar a demonização que existe sobre coisas que nem tentam ser explicadas ou aprendidas.
Artistas cristãos deveriam ser os menos preconceituosos com coisas que se referem simplesmente a arte. E pastores que se interessem por cuidar da vida desses artistas, deveriam ser além dos mais “chegados” a Deus, os mais informados e antenados sobre o que acontece nesse mundo.

O que tem acontecido é que uma legião de artistas surgem dentro das igrejas simplesmente para passarem a sua vida fazendo arte apenas para a igreja!
Ou seja, o “IDE” de Jesus foi para o espaço, e a criatividade dada por Deus só pode funcionar de maneira eclesiástica.
Mas esse não é o princípio da igreja, que por sinal, significa “eclésia” e vem do grego “tirados para fora”.
A igreja precisa ser sal, e o cristão que é artista precisa salgar e, como luz, iluminar . Mas o que acontece é o contrário, pois somente uma minoria dos cristãos artistas que resolvem fazer algum trabalho no meio secular, é que não se afasta da fé.
Isso expõe duas coisas: a falta de base e convicção em sua fé, e a falta de um pastoreio que saiba acompanhar um ARTISTA (não um membro de igreja).
Entendo o fato de que muitos pastores temem que seus membros abandonem seus princípios e destruam suas próprias vidas. Mas demonizar as coisas não é o caminho para proteger. O certo é ensinar conforme a Bíblia ensina, que é sem religiosidade.

Recentemente, conversei com meu amigo Reginaldo (Programa Multiforma) e ele fez um comentário no mínimo interessante. Ele disse que sempre que entrevista um artista cristão (obs: não um cristão artista, são coisas diferentes) e pede para que no final da matéria a pessoa deixe uma mensagem evangelística, o entrevistado não sabe falar de maneira evangelística, só sabe falar com todos aqueles cacoetes manjados de crente. Terrível isso.
Isso também demonstra o inchaço da “bolha gospel evangélica”.
A igreja tem se fechado tanto em seu universozinho, fazendo seus eventos que propagam somente seus interesses (que raramente são almas), que boa parte dos cristãos não conseguem mais dialogar inteligentemente com pessoas que não compartilham da mesma fé.
Isso é preocupante, porque se um cristão (principalmente um artista) não consegue dialogar com as pessoas que não dividem da mesma fé, de que maneira ele vai influenciar?
Tenho um grande amigo, chamado Carlos Sugawara, que além de ser um cristão convicto de sua fé, é “apenas” um dos artistas do cast do famosíssimo Cirque du Soleil.
Recentemente, pude acompanhar um acontecimento besta de uma pessoa completamente religiosa que crucificou o Carlos por ele ser “crente” e trabalhar num circo cheio de “símbolos satânicos” (coisa que honestamente não sei onde estão esses símbolos).
Obviamente que eu entrei em defesa do Carlos. Mas esse ocorrido mostra como a mesma igreja que hoje propaga milhares de eventos de arte ainda não sabe como lidar com a ARTE.

A igreja trabalha dentro do conceito seguinte:
Música, só é boa se for louvor.
Dança, só vale se for uma coreografia bíblica.
Teatro, só pode se interpretar um tema bíblico.
Artes plásticas, só pode se for uma pintura bíblica ou uma “arte profética”.
Circo, só é permitido se o palhaços fizerem “palhaçadas cristãs”.
Poxa! Como assim? Quem foi que ditou essas regras?
A Bíblia que não foi, isso eu garanto.
Devemos entender que o que está em jogo, antes da arte, é o artista. A arte é uma expressão humana criada por Deus (já que fomos feitos a imagem e semelhança dEle), não uma ferramenta evangelística.
Temos que parar com essa história de demonizar coisas que não conhecemos (ou temos preguiça de explicar) e ao mesmo tempo querermos criar uma vertente “gospel” para tudo o que existe.

Quando as pessoas sabem que eu sou cristão e sabem que sou músico de uma banda de celtic rock, imediatamente me perguntam: “Sua banda é gospel?”.
Essa é uma pergunta que faz meu sangue ferver.
Com muita educação, sempre respondo: “Não, não é gospel. Somos cristãos e somos músicos. Fazemos música celta porque é o estilo que gostamos. A única coisa é que nas nossas letras falamos sobre nossa vida, que automaticamente reflete a nossa fé”.
É uma explicação do tamanho de um elefante, mas infelizmente, as pessoas não entendem que é possível ser cristão artista sem ser gospel. É a ditadura do rótulo pela “fé”.

Acredito, e espero, que pastores compromissados com a palavra, mas antenados com a realidade do mundo levantem-se e cuidem dos artistas.
Chegou a hora de dar explicações decentes ao invés de demonizar aquilo que não se conhece.
Também espero que cristãos artistas surjam como cristãos verdadeiros, que saibam que sua arte não é o foco da sua vida, mas sim a salvação conquistada na cruz. Mas que esses mesmos artistas mostrem que sabem fazer arte sem rótulos!
Se o nosso papel é seguir o mandamento de Jesus (IDE), precisamos mudar nossa postura. E se podemos ser profissionais em qualquer área de nossa vida sem nos “auto-rotular”, também podemos fazer arte na essência do que ela é.

 Uma última coisa. Nunca devemos esquecer que o principal é o artista, e não arte que ele produz.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Quando a profissão músico vira um jogo


O primeiro instrumento que ganhei na vida, foi uma bateria. Na época, eu tinha uns 5 anos de idade, e claro, não segui por esse caminho. Aos 8 anos, me interessei por teclado e comecei a estudar, mas ainda não era o que eu queria. Finalmente, com 11 anos, comecei a tocar violão mas levei o estudo a sério aos 16 anos, quando ganhei uma guitarra.

Um ano depois de ganhar a guitarra, comecei a construir uma carreira musical. Mas para explicar melhor o que quero dizer, carreira não é sinônimo de sucesso, apenas de que comecei a criar uma história como músico. Profissionalmente, acabei dividindo a música com o jornalismo, e fiz com que ela se tornasse algo rentável em minha vida um pouco tarde. Ainda assim, a música se tornou uma das minhas profissões.

Desde o ano 2000 vivo música constantemente. Tenho quatro CDs autorais gravados, já gravei para uma infinidade de pessoas que até perdi a conta. Fui sideman de diversos músicos, acumulei muitas horas de estúdio. Arranjei e compus músicas pra mim e para outros. Produzi e pré-produzi CDs. Ministrei workshops de guitarra, violão e música celta. Toquei em lugares bons, menos do que em lugares ruins. Saí mais feliz do que triste dos lugares por onde toquei. Já toquei para milhares de pessoas e para unidades que pude contar nos dedos de uma mão. Já fui entrevistado algumas vezes por revistas de guitarra, música, programas de TV e rádio. E a maior parte dos estados e cidades desse país que eu conheço foi por causa da música. Mas... ...tem uma coisa que passou a me assustar nos últimos anos.

Alguns músicos mais antigos, com certeza vão se identifcar com isso.
Lembro que na primeira metade da década de 90, quando falávamos em ser um músico de sucesso e olhávamos nossos ídolos com devoção, não passava na cabeça de ninguém a ideia de ser patrocinado por uma marca de instrumentos musicais. Revista de música era sinônimo de revistinhas de cifras que comprávamos para nos ajudar a tirar as músicas que queríamos tocar (solos e riffs, só na base do ouvido mesmo, porque nem tablatura era fácil de achar. Partitura então... quase impossível).
Na segunda metade dos anos 90 surgiram as revistas especializadas em nosso país. Isso foi uma evolução impressionante na música, afinal de contas, podíamos ter as informações do que acontecia no mundo afora com mais facilidade. Mas ainda assim, tudo era muito "romantizado", embora capitalizado, mas não tão voraz quanto nos dias atuais.
Com a popularização da internet, principalmente nos últimos anos, o acesso a informação ficou gigantesco. Tanto é que, atualmente, existem revistas online sobre instrumentos musicais. A facilidade de assistir vídeos no YouTube e não apenas ver partituras e tablaturas, mas ver como se faz um solo ou se toca uma música, chega a ser assustadora.

Pode ser apenas uma opinião e pensamento de alguém que está envelhecendo, mas realmente acho que o meio musical ficou sem graça. Também não posso ser injusto, pois existem excelentes músicos tocando e outros que são compositores muito bons. Mesmo assim, são parte de uma minoria.
O que ficou chato, é que tudo virou um jogo, uma disputa de quem é o melhor, quem tem mais patrocínio, quem se propaga mais, quem toca com mais bandas etc.
Lembro dos dias onde tocávamos por prazer, onde ser um bom músico não era sinônimo de ter um vídeo com milhares de visualizações. Lembro dos dias onde as empresas buscavam um músico para dar patrocínio e não onde os músicos se matavam para tentar ter endorse de uma marca (obs: com raras exceções, algumas empresas ainda contam com "olheiros" e buscam músicos de qualidade para patrocinar).
Algumas marcas de instrumentos musicais têm entre seus patrocinados gente que não apenas possuem uma qualidade duvidosa (e outros que nem mesmo têm uma carreira de verdade), mas também "prostitutas" musicais, que não conseguem nem mesmo ter um ano de fidelidade com a marca que estão representando. Muitos são os "amigos do amigo do dono", que se fosse para fazer uma peneira radical não teriam mérito nenhum para estar ali.
E o que considero mais triste, músicos sensacionais que fazem parte da história desse país, muitas vezes utilizando instrumentos e equipamentos de marcas conhecidas como verdadeiras "nabas", apenas para manterem-se patrocinados e poderem "sobreviver" nesse meio carnívoro que a profissão músico se transformou.

Confesso de peito aberto que também já fiz sacrifícios para tentar ser patrocinado. Já gastei tempo fazendo contatos e visitando empresas. Corri atrás de gravadoras que se interessassem pelo meu trabalho e tentei a todo custo ter visibilidade.
Com raras exceções das raras parcerias e amizades que formei com pouquíssimas empresas e gravadoras, posso dizer que na maior parte do tempo, só corri atrás do vento. Vaidade, nada além de vaidade.

A profissão músico virou um jogo. Mas um jogo desonesto, onde não é a qualidade e nem os anos de estudo que são honrados. Mas o famoso "QI", ou o "marketing bem feito" (mesmo que mentiroso, basta ser bem feito).
Talvez minha frustração venha do fato de eu não saber jogar esse jogo, e de quando tentei jogar, ter perdido. Mas definitivamente posso dizer uma coisa: estou fora!

Não estou fora da música e nem de tocar ou gravar. Estou fora da disputa.
Não vou mais perder o meu tempo tentando buscar visibilidade ou procurando provar do que sou capaz. Parafraseando uma música que gosto muito, posso dizer:

"Quantas chances desperdicei,
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém."

(Quase sem querer - Legião Urbana)

Nesses últimos anos, por tentar jogar esse jogo desonesto, desperdicei muita coisa.
Desperdicei meu prazer de tocar simplesmente pelo fato de eu amar ser músico. Desperdicei conversas com amigos que fossem apenas pelo prazer de conversar, e não para tentar chegar em algum lugar na minha carreira. Perdi noites e finais de semana com minhas filhas, onde cheguei a tocar de graça com a falsa promessa de que aquilo me colocaria em exposição. Perdi a chance de conhecer pessoas que estavam escondidas por trás dos músicos que eram, pois deixei me levar pelo objetivo "comercial musical", não pela construção de uma amizade.
Também ganhei muitas coisas, onde a principal foi a experiência, mas perdi valores que eu não poderia ter abandonado.

Na realidade deveríamos pensar da seguinte maneira: Se um dia nosso trabalho tiver que ser propagado e reconhecido, que seja por meios normais e naturais, não "pela força do braço".
E mais do que um conselho para outros músicos, esse é um conselho para mim mesmo.
Isso me faz lembrar da frase de um amigo, que acho muito interessante: "Não se propague, um dia Deus te acha".

É claro que como músicos devemos estar atentos às oportunidades, procurar mostrar disposição, serviço e deixar claro que queremos trabalhar. Não é sobre isso que falo.
Falo dessa disputa acirrada que a profissão criou. Esse desespero para ter o patrocínio de uma marca, essa ganância para ter milhares de visualizações em um vídeo, essa falta de fidelidade com marcas que resolvem dar patrocínio (e muitas vezes o cara mete o pé porque descobriu que existe uma melhor). Essa necessidade descontrolável por tocar em qualquer lugar que aparece (mesmo que você tenha abrir mão de coisas importantes).
Tenho a sensação de que entre os músicos e bandas que jogam esse jogo, existe uma falsa amizade. Como se todos pensassem "serei amigo até onde der, mas meu trabalho precisa ser melhor que o dele".


Decepcionado.
Acho que essa palavra resume meu sentimento atual. Mas por outro lado... feliz.
Feliz por saber que consegui abrir meus olhos e querer fazer diferença. Sei que não vou mudar a mentalidade de ninguém, aliás, até acho que a tendência é piorar. Pelo menos, posso fazer de uma das coisas mais prazerosas que sinto na vida, ser uma das coisas mais prazerosas que sinto na vida! (Não uma fonte de desgaste e stress).

Toque por que você ama fazer isso.
Se é sua profissão, faça porque escolheu esse trabalho. Não se mate tentando jogar um jogo onde por mais que você ganhe no presente, pode ser derrotado no futuro (e isso não é porque você é incapaz, mas porque nesse meio ninguém é insubstituível).
Toque com quem gosta de tocar com você, não com pessoas que te "devem uma camaradagem" (mesmo que um dia você descubra ser o único que gosta de tocar com você!).

A profissão, o meio musical e o mercado não vão mudar. Mas se você conseguir mudar a maneira como tem feito as coisas, já será um grande avanço.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O dia em que resolvemos nos dar valor


Comecei a tocar violão aos onze anos de idade, mas resolvi estudar de verdade quando ganhei uma guitarra do meu pai, aos dezesseis. Nessa mesma fase, já comecei a tocar com bandas em eventos, shows e tudo o que aparecesse para poder divulgar meu trabalho. E conforme o tempo vai passando, você descobre que a música pode ser sua escolha profissional.

No meu caso, me senti obrigado a dividir a música com a área de comunicação. Afinal, não era muito simples dizer que queria viver de música numa família onde não haviam músicos e ninguém compreendia o músico como um profissional de verdade.
Frustrante por um lado, animador por outro.
Frustrante pelo fato de você não conseguir viver exclusivamente da sua paixão. Animador, porque quando a música não funciona, tem um plano B para se segurar (mesmo quando muitas vezes esse plano B se torna o plano A!).

Fato é, que hoje tenho uma carreira musical que segue em paralelo com minha carreira em comunicação. E embora não seja minha única fonte de renda, ela tem muito valor para mim. E justamente por ter valor, resolvi valorizar o músico que sou e o trabalho que tenho.
Procurei tirar uma temporada de recesso para pensar – e repensar – o quanto me (des)valorizei nos últimos anos. Pensar no que quero da minha carreira e no quanto posso viver meu sonho sem que ele se torne um pesadelo.
Fiz uma descoberta um tanto quanto assustadora sobre mim e quero compartilhar isso:
– Fiz do meu trabalho musical pior do que uma prostituta faz com o seu corpo.

Assusta um pouco esse tipo de afirmação, mas é explicável.
A prostituta pelo menos cobra pelo seu serviço, e por muitas vezes eu entreguei meu trabalho de graça acreditando que fossem me valorizar.

O problema do músico é a sede que ele tem de ser valorizado e descoberto por alguém que vai mudar sua vida. É quase como um com conto-de-fadas, onde um dia um "empresário fada-madrinha" aparecerá e fará acontecer o rumo de uma tão sonhada carreira.
Desconheço um músico que não sonha em um dia ser contratado ou descoberto por alguém. Acredito até, que boa parte dos que se oferecem para tocar em alguns lugares, tomam esse tipo de atitude sonhando em serem vistos e aparecerem nos holofotes da mídia.

Já toquei em muitos lugares onde fui sonhando demais, fui legal demais e consequentemente, me ferrei demais.
Minha carreira musical sempre foi dividida entre trabalhos comuns (ou seculares) e trabalhos no meio gospel. E nesse segundo meio, a coisa chega a ser um pouco mais assustadora.
A grande maioria dos eventos gospel, sejam igrejas, acampamentos, shows, feiras e outros, trata as bandas como "ministérios chamados por Deus para tocar". E se as bandas são "ministérios chamados por Deus para tocar" – ainda mais se não forem tão populares –, esses infelizes tem que tocar "pela fé" (em outras palavras: gratuitamente). Pois o importante é você fazer crescer seu "ministério", mas fato é que alguém está lucrando por trás do "crescimento do seu ministério". E o mais dolorido é saber que o mesmo cara que te chamou "pela fé", também depositou uma bela grana na conta de um artista famoso (que normalmente tem uma música de qualidade duvidosa) para que ele tocasse no mesmo lugar onde você está "tocando de grátis"!

Também é fato que existem aqueles que valorizam as bandas que se dispõem para tocar quase de graça. Em todo meu tempo como músico, já encontrei pessoas que nos deram mais do que merecíamos, e outros, que tiraram do "nada" que tinham apenas para nos honrar. Aprendi que na grande maioria das vezes, são os pobres quem honram mais que os ricos. Essas pessoas normalmente surgem em lugares que vão desde Encontros de Motoclubes e ONGs, até igrejas de periferia e cidades pequenas.
Confesso que foram situações que me levaram às lágrimas por saber que ainda que sejam poucos, existem pessoas que sabem dar valor, mesmo quando eles mal têm para si.
Tenho até vontade de citar os nomes dessas pessoas, mas por medo de esquecer de alguns, prefiro não falar.

Também já toquei em eventos onde o organizador desapareceu no final nos deixando com a conta do hotel, sem mesmo ter um táxi que nos levasse para o aeroporto (e por sorte, tínhamos pelo menos a passagem da volta). Em outra situação, encontrei um organizador escondido dentro de uma igreja, deitado, fugindo de mim para não me pagar nem o valor do transporte.
E se eu for citar todas as situações negativas que já passei, chega a ser triste, mas elas superam as positivas.

E nesse recesso em que estou me dando uma pausa para pensar, cheguei a conclusão que nunca desisti da música porque não consigo viver sem fazer isso. Pois a sede e a vontade de tocar é tão grande, que até mesmo das experiências ruins acabei tirando proveito.
Só que o tempo passa e um dia você não tem mais vinte e poucos anos. Um dia, você passa dos trinta e vira pai, tem família, tem obrigações e descobre que precisa se valorizar.
Se você contabilizar o quanto um músico gasta para manter sua rotina de ensaiar, viajar e tocar, vai entender o motivo de alguns cachês.
Vamos deixar algumas coisas definidas, existe muita gente cobrando cachês abusivos, desnecessários e que apenas são aproveitadores de um sucesso momentâneo.

Faça as contas:
Ensaio + cordas de guitarra/violão + manutenção de equipamentos + combustível e manutenção do carro + aluguel de van + valor pago de músicos contratados para a banda + prensagem de CD + divulgação publicitária + alimentação da banda...
...e essa conta pode aumentar muito.

A questão que fica é a seguinte:
Será que vale todo tipo de esforço e perda financeira apenas para conseguir um espaço para tocar e divulgar seu trabalho?

Não. Não vale.
Precisamos aprender a nos dar valor e principalmente, não ter medo de nos valorizar.
Não precisamos ter medo de ter poucas agendas, de termos poucos contatos e poucos lugares para tocar. Vale muito mais tocar em poucos lugares sendo valorizado, do que ter uma agenda cheia no mês onde seu déficit financeiro supera seu lucro (ou muitas vezes, você não consegue ficar nem no "zero a zero").
Conheço muita gente que faz papel de ridículo para tentar ser famoso. Imploram para tocar, fazem amizades por interesse, aceitam endorse de marcas que nunca comprariam, postam fotos mentirosas de momentos fictícios que nunca existiram...  ...fazem qualquer coisa, corrompem seu caráter e acabam com o seu valor.

Existe um ditado de "vó" que é muito verdadeiro: "Quem se oferece não tem valor".
E isso é verdade.

A valorização tem que partir de nós, músicos. Embora a venda de CDs seja uma ficção hoje em dia, voltamos a viver o momento onde nossos shows são mais importantes do que a venda dos CDs. Divulgar sua música pela internet é a coisa mais fácil do mundo.
Mas lembre-se, por mais que o download do seu CD seja gratuito, o seu show tem preço e você como músico tem um valor muito maior do que algumas cifras ou um refrigerante gratuito no final da apresentação.

sábado, 26 de maio de 2012

A influência que se tornou nossa tendência



Algumas coisas são bastante engraçadas na vida de um músico. Geralmente, começamos em nosso instrumento de uma maneira, e vinte anos depois, você se vê bem diferente do que era no início de sua jornada.
Há algum tempo postei aqui os álbuns que mais me influenciaram como músico (http://meucerebrotemladodireito.blogspot.com.br/2012/01/todo-musico-teve-alguma-influencia-eu.html), mas entre todos eles, teve um que mudou minha trajetória.
Antes de conhecer a música celta, eu já era um apaixonado por músicas étnicas. Em uma banda de fusion que tive com alguns amigos, sempre procurava uma maneira de colocar influências de outras culturas para fugirmos do óbvio. E sempre gostei de chamar alguém que tocasse um instrumento diferente do padrão guitarra, baixo, bateria, teclado e violão.
Minha esposa, Jackie, era flautista de uma orquestra protestante, e se você tirasse a partitura da frente dela, você deixava a moça mais perdida do que uma surda num bingo.
Conhecemos o The Corrs em 2001, quando estávamos em Israel. Assistimos um especial deles no canal VH1, e ficamos um pouco atordoados com o que estávamos vendo. Aquela fusão entre a música tradicional irlandesa (que tem toda sua origem no celta) e o pop rock muito bem feito da banda, realmente mexeu conosco.

Depois que voltamos ao Brasil, estávamos andando pela rua Teodoro Sampaio (famosa rua de instrumentos musicais de São Paulo) e achamos um tin whistle (flauta celta) para vender em uma loja por "míseros" trinta reais. Não pensamos duas vezes e compramos aquela flautinha.
Mal sabíamos que aquilo era o início do que se tornaria a música celta em nossas vidas.
Adquirir material para estudar a música celta, há cerca de doze anos, era muito difícil (hoje melhorou um pouco, mas ainda não é fácil). Encontrar um professor de tin whistle para a Jackie, era mais difícil ainda. Conseguimos importar alguns métodos, DVDs, songbooks e "ralamos" de estudar. Eu mesmo usava as partituras de tin whistle para a guitarra, apenas para aprender como funcionavam os riffs.
Não somos especialidades no assunto, para falar a verdade, apanhamos muito e somos bem fraquinhos se comparados com outros grupos que procuram tocar o mesmo estilo. Mas realmente acho que nossa maior qualidade está no fato de compormos nossas próprias músicas e criarmos nossos próprios riffs. Claro que sofremos a influência do que estudamos, e certamente, essa influência se tornou nossa tendência.

Nesse caminho que estamos percorrendo através da influência da música celta em nossa musicalidade, muitas coisas boas aconteceram. Apenas para citar os artistas de maior renome, a Jackie gravou seus tin whistles para Nívea Soares, Chris Durán e Crianças Diante do Trono. Eu toquei com o Soul Survivor (Inglaterra), 3 Rock Youth (Irlanda), Fernandinho e Adhemar de Campos. E juntos tocamos com diversos artistas e grupos conhecidos e desconhecidos, e todos sempre foram uma honra gigantesca para nós. É impossível esquecermos de amigos como James Padley, Judson de Oliveira, Clamor Pelas Nações, André Argente (Jocum), Gerson Freire, Ministério Arca, Rodrigo Lisboa e Elias Brandt. Ainda faltam muitos outros nessa lista.
Também foram várias as mídias onde aparecemos com nosso trabalho. Como a Guitar Player, Cover Guitarra, Roadie Crew, TV Paulista, Rede Super, mídias e sites internacionais e nacionais.

Tudo isso conseguimos através da nossa fusão maluca entre música celta, rock e folk, além da nossa coragem em arriscar.
Se fizemos dinheiro com isso?
Nada. Somente o necessário para bancar nossos CDs.
Então porquê não desistimos?
Porque nossa paixão pela música é mais forte do que as dificuldades que enfrentamos no caminho. E a música parecer que consegue ser como "a droga do bem". Ela te domina de forma impressionante, fica na sua cabeça, mas não te destrói. Pelo contrário, ela te faz sonhar, fugir da realidade e pensar que as coisas podem ser muito melhores do que são.

E nessa nossa loucura, estamos em fase de gravação do nosso 4º CD, o Back to the New. Certamente isso nos dá um misto de sentimentos, como animação, alegria, medo e confiança. Mas vontade de parar, mesmo sabendo que não temos retorno financeiro nisso, certamente não dá.
Esse é mais um capítulo da nossa história, e tenho certeza de que muitos outros capítulos virão.

Curta um pouquinho da gravação do nosso novo CD.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Músico mendigo


Ser músico é uma benção. É uma dádiva divina.
O simples prazer de poder transformar em melodias e harmonias um sentimento seu, já faz de você alguém especial.
Toda arte tem a sua beleza, mas a música exerce um fascínio diferenciado. A música consegue ser atraente, apaixonante, provocante, reflexiva, arrebatadora e em muitos casos, até mesmo revolucionária.

Embora todas essas verdades e muitas outras possam ser ditas sobre a música, existe uma questão que nunca se cala: o músico, embora seja visto com admiração, é tratado como um mendigo.

Forte isso, não?
Pensa numa coisa. Os que conseguem destaque são uma minoria, e quando digo que são uma minoria, isso quer dizer que são muito menos do que o pouco que você imagina!
O que existe de músico num país como o Brasil, não é brincadeira. Brinco que existem os profissionais (que vivem da música), os amadores (que não vivem da música, mas amam a música além do hobby), e os gostadores (que gostam da música e muitas vezes se arriscam a tocar como hobby).
Mas vamos falar dos profissionais. Tem muito músico bom em nosso país.
Talvez, você nunca vai ouvir falar de alguns, mas pode acreditar numa coisa, um músico sensacional vive muito perto de você.

Assim como em todas as profissões, existem panelas montadas onde somente os incluídos conseguem espaço. Eu mesmo já estive envolvido em gravações onde "olharam torto" para mim porque eu estava "furando a panela dos amigos". Não sejamos hipócritas, isso existe.
Independente disso, acho triste a maneira como bons músicos são tratados. Ganham pouco, trabalham muito, divulgam-se sozinhos e quando ousam conseguir alguma coisa maior, são obrigados a se desdobrar para fazer dar certo (ainda assim, correndo o risco de serem "esquecidos" ou deixados como "plano B"). Ou seja, enganar um músico já virou algo comum em nosso país.

O músico brasileiro é tratado como um mendigo que depende de migalhas, moedas e mixarias para conseguir sobreviver.
Sempre tem alguém que adora o trabalho de um músico, mas muitas vezes, esse mesmo alguém também é o responsável por "passar a perna" no cara. Não significa que tudo tem que ser na base da camaradagem, afinal, negócios são negócios. Mas no meio musical, e na maneira como contratam um músico faltam duas coisas: honestidade e respeito.

Sempre observo uma quantidade imensa de jovens guitarristas que se matam na esperança de conseguir endorse de alguma marca. Na ânsia de serem reconhecidos, acabam fechando contrato com cada marca "peba" que produz uns intrumentos ruins, achando que fizeram um bom negócio. (Obs: "fechando contrato" é um modo fictício para dizer que o cara "ganhou" uma guitarra, onde ele teve que pagar 70% do valor para divulgar a empresa, no sonho de que seria ele o divulgado)
Esse é um claro exemplo de quem vive de migalhas!
Não sou contra endorse, de maneira alguma. Acho sensacional o cara conseguir isso, a única coisa que não pode funcionar como moeda de troca é o seu caráter e o seu nome. Mais do que conseguir uma "divulgação fictícia" do seu trabalho (embora existam os que fazem um trabalho sério) , o importante é ter personalidade e caráter.

Conheço diversas histórias de músicos que já tocaram em restaurante para ganhar comida. E se você acha que isso é mentira, deveria sair um pouquinho fora do Estado de São Paulo e conhecer a realidade de outros lugares.
Nada, abolutamente nada paga a nossa dignidade. Mas por muitas vezes, são os próprios músicos quem colocam a dignidade de todos os outros em jogo.

Se o respeito não vem da parte dos outros, pelo menos que venha dos próprios músicos. Seria muito melhor assegurarmos o respeito de nossa arte do que trabalharmos como prostitutas musicais.
Se um dia esse tratamento com o músico vai mudar é difícil dizer. Mas que podemos fazer valer um pouco mais o nosso valor próprio, não dizendo "sim" para tudo, com certeza podemos.